A PRAIA DO BRAÇO DA SAH
Por Rannier Vilela*
Uma criança, como todas, atenta; travessa; irrequieta; ansiosa e curiosa; era Sah. Também, como toda criança, incompreendida, reprimida e apreendida. Sah perguntava-se se mais ninguém via o mundo como ela o via. Era uma menina levada, mas cheia de carência, clariceana: tinha tanto amor dentro de si, embora assim continuava inquieta. Precisava que o deus viesse. Chorava a cada partida da mãe, ainda que brevemente. Sentia com pesar cada indiferença dos indiferentes. De não ter a quem dar seu amor; aprendera que esse não o dava; nem se sentia, e porventura sentisse ocultava-o. Clariceana, não sabia usar amor. À Sah fora ensinado o sagrado e o profano. Seguia verdades absolutas e a truculenta absolutez das verdades. E de dizerem tanto o que lhe cabia e não cabia, Sah percebeu que não coubera em nada. No entanto, mirou o próprio pulso, descobriu que numa pulseira coubera o mundo. Na busca do que a coubesse; encontrara à praia num pingente prata em forma de alvião. Quando à criança Sah o mundo pesava, presentânea era a viagem. Ia da sala, quarto, banheiro ou cozinha à praia que portava no braço. Um luxo que só, além da praia ser privativa, a dona podia ainda teletransportar. Porém ainda cedo Sah sofrera a pior falência humana: falia sua imaginação de criança; sua esperança de criança; sua verdade de criança; sua fabulação de criança; sua alegria... Clariceana, ficara inquieta e áspera e desesperançada. Indagam-se as crônicas, os poemas, os escritos o porquê odiamos o olhar de criança, a quimera de criança e adquirimos olhos vazios. Ódio é antônimo de amor, deseja-se mirar o braço e encontrar riachos e praias, na sutileza de criança refugiar-se do peso do real. Perdida está a criança que nos habitou.
* Rannier Vilela - Editor-chefe C.E.B.:
Autodidata; poeta; colunista; dramaturgo; diretor teatral; cronista; ensaísta; palestrante e romancista.
Escritor alinhado ao direito; psicanálise; psicologia; ciências sociais; ciência política; antropologia; sociologia; história; teoria social e filosofia ocidental.