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Lindinhas, filme da Netflix, sexualiza crianças? - Rannier Vilela

Atualizado: 2 de out. de 2020

Necessário, feminista e poderoso? O longa-metragem, recentemente lançado na Netflix, tem dado o que falar nas redes sociais, e chamou atenção até do governo brasileiro



por Rannier Vilela

críticas



Capa do filme que mostra meninas pulando sorridentes com compras na mão e descrição de prêmios do filme.
(Imagem: Divulgação)

O longa-metragem francês "Lindinhas" (Mignonnes), tem inspiração na vida da roteirista e diretora Maïmouna Doucoré, relata a vida da pré-adolescente Amy, uma senegalesa que vai se estabelecer junto ao seu núcleo familiar em um conjunto habitacional de imigrantes no subúrbio de Paris, na França. A menina de 11 anos de idade integra a uma família tradicionalmente conservadora e cabalmente religiosa, tem dois irmãos, um deles bebê, portanto, visto que ela é a primogênita, somente o segundo irmão participa ativamente de partes do filme, ainda criança e por sua idade e gênero masculino não aparenta sentir-se desconfortável ante ao conservadorismo soberano em casa.


Em uma cena do filme, Amy vê na lavanderia compartilhada de seu conjunto habitacional uma vizinha com aproximadamente sua idade, e que mais tarde descobrirá que estudam no mesmo colégio, dançando rap latino-americano com roupas decotadas, reprovadas pela religião da família, a princípio a causa um estranhamento como o de quem descobre algo transcendental, não obstante após vê-la no colégio com seu grupo de danças causa-lhe encantamento. A senegalesa fragiliza-se ao tomar a dor de sua mãe quando ouve que seu pai casar-se-á novamente e terá duas mulheres, perante a todas essas situações ela enxerga a dança e a expressão da cultura popular como algo libertador, se rebelando e contrariando o conservadorismo familiar e oscila entre dois modelos de feminilidade já culturalmente construídos: o conservador e submisso, de sua cultura, ou o livre e desinibido, da cultura popular das periferias de Paris.



Amy olhando para grupo de danças posicionado no pátio do colégio
Amy vê grupo de danças posicionado pela primeira vez

Amy busca saber mais sobre o grupo, chamado Lindinhas, até tornar-se amiga de sua vizinha e colega de escola, uma das integrantes, e sorrateiramente aprende a dançar com auxílio de vídeos na internet de hip-hop e culturas populares dos subúrbios norte-americano. Acessava a internet com um celular smartphone que furtou de seu primo para adentrar o mundo virtual. A ocorrência de um incidente entre as amigas do grupo de danças deixa uma lacuna, nesse contexto Amy resolve mostrar tudo o que aprendeu, e até mesmo traz ensinamentos as integrantes do grupo, passando a ser uma participante, também. Por conseguinte há uma reviravolta em sua vida, vendo a mãe sofrer com seu modelo de feminilidade de subserviência e renúncia aos prazeres, a liberdade e sexualidade, em contraponto, o modelo virtual, seguido pelo grupo de danças, propunha uma liberdade sexual, do corpo e da figura feminina. Decerto que uma pré-adolescente optará pelo que está em voga, pela inclusão social. Em sua idade ser aceita é uma questão de existir ou não.




Amy com olhar opaco e lágrimas escorrendo do olhos
Amy passa a madrugada auxiliando na cozinha para segundo casamento do pai

O filme causou polêmicas com o pretexto de que sexualizava crianças e a Netflix estaria gerando conteúdo para pedófilos. Afirmação que não tem coerência, considerando que o filme é uma crítica a sexualização. Faltou a esses espectadores ótica mais analítica ao assistir e criticar. Porém qual análise é imprescindível para quem assiste?

A cultura francesa, assim como a nossa (brasileira), é estruturalmente machista, analisando agora sob tal fato, o que resta a cultura popular? No círculo sociocultural e socioeconômico em que Amy vive na França, predomina a desigualdade e a deseducação que ela acarreta. Em nosso cotidiano a cultura popular é sempre julgada, e julgamos os que pertencem a ela como "sem cultura", o que é um juízo errôneo e descriminatório.


Qualquer ser humano possui cultura, é intrínseco e extrínseco. Antropologicamente, o indivíduo é produtor de cultura, mais de um indivíduo forma uma sociedade que cria e segue em maioria a uma determinada cultura, todavia essa sociedade sempre estará sujeita as novas culturas.

A cultura popular está atrelada as massas, cujo sistema coopera para que não se deem conta desse machismo estrutural e produzem sua cultura no entorno de problemas sociais ignorados pelo próprio sistema. Logo todas as expressões culturais, inclusive de populares, circundam o meio qual estão inseridas. Não é justo exigir de quem vê desigualdade, machismo, preconceitos e repressão que fale, cante ou escreva sobre quão belas são as flores do campo, por exemplo. Desse modo é imprescindível que se compreenda o contexto sociocultural do filme.


Para a família de Amy, ensinar a ser mulher resumia-se em: aprender a cozinhar e casar-se. Já no machismo europeu, excludente outros aspectos da misoginia no ocidente: ser mulher é sexualizar-se, simplesmente. Ante as exigências da sociedade, sobretudo na pré-adolescência, a garota resolve usar roupas com mais decotes para ir ao colégio e ser interpretada como uma mulher, porém dada provocações Amy, copiando o comportamento de suas referências de personalidade, agride a garota que a provocou, que junto a um grupo covardemente a humilha puxando sua calça e expondo sua peça íntima, que por ser proporcional a sua idade e não possuir nenhuma conotação erótica, causa risos e escárnio a todo o colégio.


Como ela e o grupo não suportava o estigma de criança, Amy drasticamente a fim de provar-se mulher dada a pressão social sofrida publicou sua genitália, tal fato faz com que suas amigas do grupo a afaste por estarem com má fama, entretanto, paradoxalmente, as pessoas queriam que as demais integrantes fizessem o mesmo, apesar de suas idades.

Todos esses acontecimentos geram a vida de Amy, já instável psicologicamente aos 11 anos de idade, um evento em que um rapaz de sua classe lhe desfere um tapa nas nádegas, justificando que tal coisa poderia ser feita porquê ela publicou sua genitália, a garota pega uma caneta e o golpeia furando a mão do prematuro misógino. O golpe que ela dá nos faz termos o pensamento, corriqueiro do machismo velado, de uma "louca", porém se realizado por um homem ou menino, pensaríamos como "legítima defesa da honra".



Classe olha para a menina Amy enquanto ela está ainda sem reação por levar tapa na nádegas de colega de classe
Amy ainda sem reação ao levar tapa nas nádegas de colega de classe

O pensamento do colega de classe dela, reflete todo o pensamento de uma sociedade de que para fazer-se mulher precisa sexualizar-se, no entanto a sexualização a inferioriza. Pode ser difícil compreender, mas o patriarcado, de fato, não costuma ser muito coerente. Amy se viu entre dois modelos de feminilidade, um que a prendia explicitamente e outro que lhe dava uma liberdade falsa, pois construída com base na concepção patriarcal da identidade de mulher.


A garota não se apaixonou a primeira vista pela dança, sim pela enganosa liberdade daquelas outras garotas. Sendo que à Amy não faltou somente a liberdade nos seus múltiplos aspectos , faltou condições igualitárias, relações afetuosas e compreensivas e, sobretudo, uma educação libertadora. Ela achou que a dança a faria livre, contudo a fez mais prisoneira. E dar-se-á conta disso, quando abandonada pelas amigas que trouxeram a antiga integrante novamente, e então Amy a sabota retomando seu lugar na apresentação que farão ao público. Certo momento, enquanto apresenta, ela fica inerte ao perceber a realidade, parada como quem pensa: "O que estou fazendo? Preciso disto?".



Cena do filme Lindinhas quando Amy fica completamente parada enquanto apresenta a todos
Amy fica parada durante apresentação

Amy ainda durante a apresentação sai correndo aos prantos do palco, ao chegar em casa, no dia em que o pai se casaria com a segunda noiva, é rigorosamente repreendida por sua tia que por seu traje a compara com uma meretriz. Sua mãe, surpreendentemente, a defende e compreende. Então a garota resolve ser livre, sendo quem ela é. Abandona as roupas que a sexualiza e as roupas conservadoras de sua família, vestindo algo confortável, apropriado à sua idade, que gosta e se sente bem. Correta, Amy não corresponde nem as expectativas de sua família, tampouco a do patriarcado.



Roupas conservadoras e de danças de Amy abandonadas em cima da cama
Roupas de dança e conservadora abandonadas por Amy

O filme evidentemente é uma ótima crítica a sexualização de meninas e a cultura construída por homens. A Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves pediu a censura do filme no Brasil. Imagino que a Ministra esteja certa visto que o filme traz críticas ao conservadorismo e principalmente ao aparato ideológico do Estado: a família. Não é de interesse de Damares que as pessoas se oponham ao conservadorismo nem ao aparato ideológico. Quanto ao conservadorismo dela, que se assemelha a cédula de R$ 3,00, escrevo com adição de "pseudo" à frente.


O filme é recomendável, devendo ser assistido com olhar e pensamento crítico. E seguindo a linha de raciocínio de alguns que assistiram o filme, retirá-lo respaldado em "dar conteúdo a pedófilo" e como tirar mulheres da rua por "dar produto ao assediador". Pessoas como essas, veem sexualmente crianças até mesmo dentro de uma Basílica Cristã, por serem o seu objeto de desejo. Haja vista que é um transtorno psicológico e não está sob nosso controle, é fundamental que fiquemos atentos. Portanto são eles quem devem ser tratados e ressocializados para se aterem. Não se faz restrições as vítimas, mas as devidas, justas e cautas ao vitimador.

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