A linguagem neutra tem sido discutida nas redes sociais, mais do que nunca, por alguns que acreditam, literalmente, que ela seja a salvação da sociedade, e outros que a acham uma completa idiotice
Por Rannier Vilela
artigos/opiniões
A linguagem de gênero neutro está em alta, sobretudo no submundo da militância virtual, consiste em um sistema de fala e escrita para substituir os gêneros ele(s) ou ela(s). Os métodos mais comuns, para grafia são os sistemas elx(s)/delx(s) e el@(s)/del@(s), já oralmente usam-se elu(s)/delu(s) e ile(s)/dile(s).
Essas propostas de pronomes foram criadas para contemplar a abrangência das identidades dos gêneros não-binários, ou seja, pessoas que não se encaixem no binarismo de gêneros, como masculino e feminino, ou fluem entre eles, sendo ora masculino, ora feminino.
A utilização dessa linguagem gera cômicos embates nas redes sociais entre opositores e adeptos devotos, ambos sem ideias fundamentadas. Os debates são, em maioria, compostos por pessoas equivocadas que acreditam que a língua é imutável e outras que acreditam que ela é mutável da noite para o dia.
Os divergentes costumam argumentar que a linguagem neutra não existe, entretanto para que algo exista basta ser criado, logo a linguagem neutra existe, pois foi criada, senão gramaticalmente. Assim como diversas gírias do nosso cotidiano não existem, mas são usadas, como "mano" (amigo íntimo) ou "mina" (menina).
Corriqueiramente são ofendidos como transfóbicos alguns opositores, porém não é plausível generalizar. Há intelectuais conservadores da língua portuguesa que vão contra para que a língua não mude. Certamente há quem mascare a transfobia que não pôde destilar por trás de um discurso de "conservação" da língua portuguesa, e pode haver, também, o que se oponha somente por demasiada necedade e influências.
Ninguém deseja "cancelar" a língua portuguesa, então a linguagem de gênero neutro não deve inserir-se à norma culta, considerando que seu uso será exceção, não via de regra, e por ser um sistema inteiramente novo, excluiria os deficientes auditivos cuja interpretação parte da leitura labial e deficientes visuais que usam nos dispositivos eletrônicos ledores de tela que não conseguem fazer a leitura impronunciável dos "@" e"X" em uma palavra, visto que são os sistemas mais usado.
A inclusão não exclui ninguém. E vale ressaltar que as mudanças nas línguas ocorrem espontaneamente, nunca por indução.
Ainda que não seja incluída na gramática, se consuma a importância de ensinar nas escolas de educação básica o uso da linguagem neutra, para que se saiba usar quando estiver referindo-se a uma pessoa não binária, e assim será gradativamente desenraizada a transfobia e posta a inclusão.
A linguagem de gênero neutro é uma projeção e não inserir-se-á na língua de hoje para amanhã, a plantamos para que o futuro seja menos hostil para pessoas trans. O que fazemos nesta geração é para que a próxima possa ser melhor. Cada luta é válida e de suma importância.
No entanto, a abrangência de nossa belíssima língua portuguesa (luso-brasileira), traz alternativas diversas de combater o machismo na língua e respeitar a sociedade LGBTQIA+. Pode-se usar o feminino genérico, em vez do masculino genérico ou usar ambos para um grupo de pessoas, exemplos: "Boa tarde a todas!", no lugar de "Boa tarde a todos!" ou "Boa tarde a todos e todas!".
O feminino genérico é a melhor opção, por referir-se aos outros como pessoas, que é um substantivo feminino. Logo, concordando os pronomes com o substantivo pessoa, contemplam-se as pessoas trans não-binárias.
Contudo, para uma produção de texto, adotar o uso de ambos os gêneros da maneira que supracitei é mais adequado para formalidades.
A língua luso-brasileira é sem limites, existem uma infinidade de alternativas à neutralidade oferecidas por ela, tais como: "Boa tarde, pessoal!" ou "Boa tarde ao público!", há também pronomes neutros integrados a gramática, como outrem em substituição de outro e outra.
Indubitavelmente, não é a utilização de linguagem neutra, feminino genérico e afins, que, efetivamente, erradicará o machismo e a transfobia da sociedade, tampouco é esse o seu principal papel, essa é uma missão do estado democrático de direito, que deve garantir a democracia a todos os cidadãos, logo todos devem ter condições sociais e econômicas igualitárias, dignas e, sobretudo, educação de base que os preparem para a civilização e para respeitá-la tal qual como é.
Se a língua é cultural e coexiste conosco, ela nos constitui e nós constituímos ela. Portanto uma língua machista, preconceituosa e excludente reflete a cultura dessa sociedade, como a língua e as linguagem nos formam, desde que nascemos, se elas são machistas, preconceituosas e excludentes, também seremos. A língua não é a culpada desses males na cultura, mas tem ônus parcial, podemos atenuar criando maneiras de linguagem inclusiva.
O que é uma governanta? E um governante? São os mesmos substantivos com o mesmo significado, mas atrelamos quando no gênero feminino a uma gerente de serviços domésticos de uma casa ou hotel, já no gênero masculino a um chefe de estado. Isso é o machismo estrutural na linguagem e na língua. Assim como o adjetivo comandante é sem gênero, porém a nós vêm uma figura masculina pela altivez do cargo que o adjetivo representa.
Pensar que a língua não muda é um completo equívoco, como exemplo se tem a palavra armário, vinda do latim armarium; local destinado ao armazém de armas, que atualmente não possui seu sentido primordial, ou o pronome você que a princípio era Vossa Mercê, contudo, pela diversidade linguística e de nacionalidades, os menos letrados na língua falada aqui distorciam oralmente para "vósmicê", "vósmercê" ou "vóscê". Há diversos outros exemplos de que o tempo e as novas culturas produzidas ocasionam mudanças a língua.
Para ser um humano, é preciso entender que todos são diferentes.
Deixarei a conclusão à filósofa alemã Hannah Arendt, que nos traz à realidade deste mundo: "Quem habita este planeta não é o homem, mas sim os homens. A pluralidade é a lei da terra."
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